Sobre a exploração de animais e a parcela de culpa dos turistas

Recentemente saiu uma notícia na impressa do mundo todo sobre um elefante que morreu de exaustão depois de carregar vários turistas montanha acima, em um calor de mais de 40°C, em um dos templos de Angkor Wat, no Camboja (leia aqui). Nós estivemos lá e vimos isso: os turistas formam filas sobre uma plataforma pra subirem nas cadeirinhas de madeiras colocadas nas costas do animal, darem uma voltinha até o topo da montanha, tirarem algumas selfies e irem embora para a próxima atração. O preço para este passeio? 20 dólares.

A empresa que “cuida” desses elefantes tem outros 13 animais que continuam trabalhando sob as mesmas condições todos os dias, segundo a reportagem do jornal local “Phnom Penh Post”. O elefante que morreu tinha cerca de 40 anos e provavelmente passou a maior parte de sua vida carregando turistas ou fazendo outra atividade que rendesse um bom dinheiro à empresa. Pra aprender a obedecer, ele passou por um processo conhecido como “quebra da alma”, foi “treinado” desde bebê, passou por espancamentos, restrição de comida, água e sono e ficou confinado em uma gaiolinha quase sem poder se mexer por muito tempo.  E hoje, passam mais de 15 horas por dia, todos os dias da semana, subindo e descendo um morro – que não é nada fácil de subir, nós fomos a pé – debaixo do sol escaldante. Não é de se espantar que tenha morrido.
(veja com seus próprios olhos como é o processo de “quebra da alma” dos elefantes neste vídeo aqui – MAS CUIDADO, AS CENAS SÃO BEEEEEM FORTES)

Turismo consciente

É difícil julgar a empresa ou os cuidadores dos elefantes de modo geral, porque a exploração destes animais é algo enraizado na cultura do sudeste asiático e que já vem acontecendo há muitos e muitos anos, desde que eles eram utilizados como força de trabalho ou até arma de guerra. Com o tempo, essa exploração foi apenas mudando de setor e sendo adaptada ao turismo. E é neste ponto que eu quero chegar.

Veja bem, não estou defendendo nem justificando a exploração dos elefantes, mas será que não vale analisar um pouco o outro lado da moeda? Por que essas empresas continuam explorando os animais desta forma tão covarde? A resposta é simples: porque é uma forma de ganhar dinheiro, muito dinheiro. Em um país onde 1 dólar vale $4.087,84 moedas locais (riels), dá pra imaginar quanto eles tiram por dia cobrando 20 dólares por passeio né?! E é por isso que cada turista que vai lá tem uma parcela de responsabilidade por essa e por tantas outras mortes de animais… Enquanto tiver turista pagando, vai ter gente explorando!

Pra não ficar só nessa história do elefante, tem outros exemplos. No comecinho de junho foi publicada aquela história horrível dos cerca de 40 filhotes de tigres que foram encontrados mortos dentro de um freezer no templo Wat Pha Luang Ta Bua, na Tailândia (leia aqui). Teve também aquele vídeo bem polêmico de turistas tirando fotos com um leão que mal conseguia parar em pé de tanto sono, ou melhor, tanto sedativo que tinham lhe dado em um parque na Indonésia (veja o vídeo aqui)

Confesso que quando estivemos em Chiang Mai, na Tailândia, nós mesmos ficamos em dúvida sobre conhecer ou não o Tiger Temple, já que é tão famoso. Lá você entra na jaula dos tigres e tira fotos deitado em cima deles, mordendo o rabo e etc. Mas pensa bem: o quão natural é um tigre deixar você fazer isso? É no mínimo estranho né? Na dúvida, nós preferimos simplesmente não ir. Fomos apenas a uma reserva de elefantes que resgata animais explorados e muitas vezes doentes e incentiva a reprodução. Sem show, sem exageros. 

Mas já cansei de ver gente falando que ficou na dúvida se o bicho era mal tratado ou não, dopado ou não, por isso resolveu ir e tirar suas próprias conclusões… O problema é que, mesmo que essas pessoas saiam de lá achando tudo um absurdo, elas já pagaram, já contribuíram, já fizeram parte daquilo. E é aí que a gente fica se perguntando: até que ponto nós turistas temos responsabilidade sobre isso? Será que não é hora de sermos mais conscientes e menos coniventes durante nossas viagens?

Tudo por uma selfie

Não estou querendo generalizar, mas tem muita gente que ainda “segue o fluxo” e acaba visitando esses lugares só porque é um ponto turístico famoso, sem pensar nas consequências. Ou pior: porque a foto “pode render muito nas redes sociais”. Gente, parece absurdo, mas quando estivemos em Manaus presenciamos algumas cenas bem bizarras neste sentido.

Em um dos locais que visitamos, uma preguiça passava de colo em colo, em meio à uma multidão de turistas gritando de empolgação. O jacaré ficava o dia todo com a boca amarrada, posando para as fotos e chegou a ser derrubado no chão. Na hora de ver o boto-cor-de-rosa, teve gente que se negou a sair da água e dar lugar ao próximo grupo, porque a foto não tinha ficado boa (a questão do boto também é um ponto discutível, mas essa discussão fica pra este outro post). A palavra que mais foi dita naquele dia foi FOTO e as paisagens só eram vistas pela tela do celular. De volta ao barco, o casal conversava: “que passeio incrível… essas fotos vão render muito no meu facebook”…

Nós fizemos este vídeo lá no dia do passeio pra mostrar tudo isso que eu falei:

Não estou escrevendo este texto para julgar ninguém. Nós mesmos já fizemos alguns passeios assim, como o nado com os botos que eu citei, e ficamos um pouco incomodados.  O fato é que às vezes a gente vai sem pensar e depois se arrepende (ou não). O objetivo aqui é refletir sobre o assunto e sobre a nossa postura (incluindo a minha e a do Ulisses) e te convidar a ser um pouquinho mais consciente de algumas responsabilidades enquanto estiver de férias, mesmo que elas não tenham consequências diretas no seu dia a dia.

E você já presenciou algo desse tipo? Ficou incomodado ou achou normal?
Será que você é um turista consciente? O que faz durante suas viagens pra mudar essa realidade? Deixe um comentário aqui embaixo, é sempre bom ouvir outras opiniões e discutir sobre o assunto. Mas o  mais importante: pense nisso nas suas próximas viagens!

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14 comments

átila 1 de junho de 2020 - 21:42
muito interessante este texto. precisa ser lido por todos os viajantes. eu mesmo já fui ao zoológico de luján e tenho fotos com leões em tigre. mas foi em 2013 e eu realmente não pensava sobre o possível maltrato dos animais. voltei a argentina este ano e ouvi falar que é bem provável que o zoológico de luján feche.
Maiara Dantas Luiz 22 de outubro de 2018 - 14:21
Obrigada pelo post claro e objetivo. Estarei em Manaus nas proximas semanas e essa é a minha maior preocupação: o turismo consciente com os animais. Obrigada pelas dicas pq me ajudaram a tomar uma direção melhor na minha viagem!
Ulisses Dalesandro 6 de novembro de 2018 - 04:43
Que legal Maiara! Satisfação em saber que mais pessoas no mundo tem essa mesma preocupação que a gente =). Turismo é legal, mas sempre com consciência né? ;) Espero que aproveite sua viagem! Depois passa aqui pra contar pra gente como foi sua experiência =)
Raulz!to 18 de fevereiro de 2017 - 11:10
Ligia, sigo seu blog há tempos e curto muito, Já usei muito suas dicas em várias viagens e daqui a um mês vou usar de novo, quando for ao Amazonas. MAS ESSE SEU POST é o melhor de todos os tempos. Nossa, vi o video do elefante, uma pequena parte, na verdade, até eles começarem a machucar o animal com aqueles espetos. Chorei feito uma criança e fiquei chocado. Já tinha ouvido falar sobre os elefantes e que era cruel, nunca pensei em visitar algo assim numa viagem, mas esse video aí é uma das coisas mais tristes e impactantes que eu já vi na vida. Agradeço por me mostrar isso e renovar minhas prontidão para não cair em turistices ridículas como essa. Uma dica para os interessados é o filme Blackfish, disponível no Netflix, que fala sobre a "domesticação" das baleias naqueles parques do Seaworld. Tá no mesmo nível. E mais uma vez, parabéns!
Lígia Antoniazzi 22 de fevereiro de 2017 - 03:36
Oi Raulzito! Que bom receber sua visita por aqui!! :) Esse vídeo é horrível!! Pra ser sincera eu não consegui assistir pq o Ulisses já tinha me contado como era e eu não tive coragem. Tbm sofro muito vendo essas coisas!! Aliás, nunca criei coragem pra ver "Black Fish" por causa disso! Mas é sempre bom deixar aí disponível pra quem tiver interesse e não acreditar nessas histórias né?! Mudando de assunto... Vc vai pra Amazônia?!! Vai amar!! Aquele lugar é sensacional, acho que todo brasileiro devia conhecer! Boa viagem, aproveite bastante lá!! E volte sempre aqui :D Bjo
Yasmin 8 de setembro de 2016 - 14:38
Lígia, adorei seu post ! Acho quase um serviço de utilidade pública divulgar esse tipo de assunto em blogs de viagem. Já é muito difícil as pessoas procurarem se informar antes de irem em lugares assim, mas o pior é que muitos deles vendem a imagem do animal muito bem cuidado, bem tratado, "livre" e até pessoas conscientes acabam contribuindo com a crueldade. Estou vendo isso em redes sociais de famosos e amigos, e por mais que a crueldade não seja "óbvia", sempre faço questão de lembrar que se você for subir em um elefante, ele já foi muito maltratado para isso - por mais que não se veja os bullhooks ou as correntes. Um beijo !!
Lígia Antoniazzi 13 de setembro de 2016 - 05:34
Oi Yasmin! Que bom que gostou do post! Acho importante falar disso pq realmente o número de pessoas que curtem atrações com animais tem crescido muito e parece que ninguém vê ou se importa com o que está por trás... Temos que divulgar e não incentivar esse tipo de atração turística! Um beijo e volte mais vezes aqui no blog ;)
Caio 20 de julho de 2016 - 02:04
Muito bom! Fico muito feliz quando encontro blogs que falam sobre os absurdos que os elefantes passam para que você simplesmente monte nele. Temos um post alertando sobre isso também. Precisamos mostrar essas informações para o máximo de pessoas possíveis para de alguma forma tentar reduzir essa exploração. Sempre terão aqueles que cagam pro bicho e farão de qualquer forma, mas precisamos contar a todos o que acontece lá. Daí pra frente é de cada um!
Lígia Antoniazzi 20 de julho de 2016 - 15:43
Valeu Caio, que bom que gostou!! =) É então, acho que nosso papel como blogueiros é mostrar a realidade dos lugares e alertar as pessoas pra algo que às vezes elas não têm a noção de que é assim tão grave... Obrigada pela visita! ;) bjo
Lulu Freitas | Let's Fly Away 5 de julho de 2016 - 22:23
Você está certíssima!!! Se cada um tiver um pouquinho de senso e não colaborar com esse tipo de turismo predatório as coisas podem mudar. O problema é que enquanto não houver fiscalização para freiar essa indústria e turista pagando... Você listou vários lugares mas coloco também na sua lista o Zoo em Buenos Aires com seus tigres "domesticados". Cada vez que vejo uma foto de um conhecido lá me dá uma revolta... rsrs Enfim, o negócio é continuar tentando alertar as pessoas. bjs.
Lígia Antoniazzi 6 de julho de 2016 - 15:23
Oi Lulu! É verdade... além da consciência do turista, falta fiscalização tbm! Quem sabe se os blogs e veículos de comunicação começarem a divulgar a realidade dos fatos e fazer as pessoas pensarem, as coisas não melhoram né? O pior é que ainda tem muuuuuito blog e programa de TV famoso que incentiva esse tipo de coisa e as pessoas acham lindo =/ Sobre o Zoo de Buenos Aires, bem lembrado! Este é um desses lugares "duvidosos" que eu prefiro não conhecer de perto pra tirar minhas conclusões... hehe bjoo
Ulisses 6 de julho de 2016 - 21:01
Good news sobre o zoo de Buenos Áires: Foi fechado!!! =) olha a notícia do El País: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/23/internacional/1466689780_228888.html
Filipe Morato Gomes 1 de julho de 2016 - 10:18
Gostei de ler. É fundamental o turista ter essa consciência e agir de acordo com certos valores e princípios. Há centros de recuperação de animais verdadeiramente interessados no bem-estar dos animais e que usam o turismo como forma de financiamento. Mas há, como em tudo, gente sem escrúpulos cujo único objetivo é ganhar dinheiro. Cabe ao turista distinguir uns e outros, e fazer as suas escolhas. No fundo, como diz o texto, ser um turista consciente. Grande abraço desde Portugal.
Lígia Antoniazzi 1 de julho de 2016 - 11:30
Oi Filipe, tudo bem? Acho que a maior dificuldade está no discernimento e na consciência das pessoas né? Tenho a impressão de que a maioria nem para pra pensar nas consequências de determinados passeios =/ Mas fico muito feliz que tenha gostado do texto... E mais ainda por saber que o comentário veio de Portugal! =) A propósito, acabei de conhecer seu blog e fiquei apaixonada! Volte mais vezes por aqui... bjos
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