O post de hoje é, na verdade, um texto que escrevi para a Revista Circuito, em um dos meus trabalhos como freela. Esta entrevista com o Fotógrafo Érico Hiller foi publicada nas versões impressa e online da edição de outubro e, como achei que as histórias e experiências dele são muito interessantes e têm tudo a ver com o Vamos Fugir, resolvi publicar aqui! :) Espero que gostem!
Todo o colorido de uma cultura, os traços que a ela pertencem e dão um significado, rostos, expressões, gestos misturadas à sujeira das ruas, à beleza de uma paisagem, ao desenho pintado na parede. São tantos detalhes que compõem e dão vida a um povo, que chega a parecer impossível entender e mergulhar de fato em uma cultura sem que vejamos tudo aquilo de perto, com nossos próprios olhos. Mas neste caso é diferente, conseguimos sentir quase o que ele sentiu quando esteve lá, através de um instante congelado, capturado por suas lentes curiosas.
Suas viagens pelos cinco continentes tiveram momentos e razões diferentes, mas todas ligadas por uma única paixão: a de transformar cada cultura ou local especial em uma imagem repleta de significado, história e lição de vida. Há 12 anos, Érico Hiller, colaborador de publicações como National Geographic Brasil, Rolling Stone e Marie Claire, faz da sua profissão um meio para traduzir suas experiências de viagem em uma linguagem universal: a fotografia.
Diante da realidade de países devastados pela violência, da desigualdade, do abismo entre culturas opostas, do desmatamento, e do desrespeito à natureza, suas imagens carregadas de emoção e veracidade vão muito além de um simples registro e nos fazem refletir sobre a controvérsia do ser humano.
Quando e como você iniciou sua carreira na fotografia? O que te atraiu nesta profissão? É o mesmo que te atrai agora?
Comecei em 2003. Interessante esta pergunta, pois a resposta é SIM, eu me interesso agora pela busca e senso de descobrimento, pelas saídas de composição e pela doçura que o acaso nos dá ao fazer fotografia de rua, documental e de viagem. O mesmo que me fez começar é o que me motiva hoje. Rigorosamente os mesmos sabores e alegrias.
A maioria dos seus trabalhos seguem uma linha mais humanitária, ambiental e de causas sociais. Por que você escolheu este caminho?
Amo a fotografia humanitária, pois ela permite autoconhecimento e principalmente a interpretar melhor o estranho mundo que nos cerca. Acho que dividir estas experiências é acolher a nossa alma, e também de quem vê as minhas fotos, espero. Escolhi, creio, por vocação. Na fotografia, se não nos monitoramos, acaba que aceitamos trabalhos que nos tiram de nosso caminho. Quando percebemos, estamos fazendo uma foto de evento, de casamento, uma super produção publicitária. Sempre devemos nos policiar: é a fotografia que quero pra mim? Acho que a fotografia deve ser um estilo de vida e não uma profissão, senão nos tornamos um empresário da imagem. Sobre a pergunta de fotos ambientais, acho que ela nada mais é do que uma derivação da fotografia humanitária. Elas são indissociáveis. Quando faço um trabalho com enfoque humano, eu me pego fotografando o ambiente em que aquela pessoa vive. Já quando meu foco são paisagens ou vida selvagem, quando me dou conta, as histórias das pessoas estão também lá. Muitos acham que é possível separar, mas pra mim é tudo um conjunto só, é o que nos forma.
Já enfrentou situações difíceis ou até perigosas no exercício do trabalho?
Isso pode depender um pouco de ponto de vista. Acho perigoso, por exemplo, o trânsito de São Paulo, um acidente e tal. Mas muita gente acaba achando que corro riscos mundo afora. Estes riscos são diferentes, mas nunca me senti ameaçado ou vi minha vida, digamos, sob ameaça. Já estive em natureza hostil. Já escalei montanhas e geleiras, um escorregão poderia determinar vida ou morte. Já recebi algumas respostas negativas agressivas quanto apontei minha câmera para algumas pessoas em alguns países, mas isso é parte do processo e não algo que me faça temer, recuar ou parar.
Para a produção do livro “Emergentes” – que relata os contrastes sociais entre os países do BRIC, México e Argentina – você passou um tempo em cada país para conhecer melhor o cotidiano e entender o ritmo de vida de cada população. Qual dessas culturas mais te chamou atenção?
Passei praticamente um ano na estrada e em uma das viagens fiquei três meses seguidos fora. Achei que era necessário e foi mesmo uma experiência muito saudável para mim e para o livro. Todas as culturas me interessam. Sou apaixonado por Ásia e África. Adoro a Índia, China, Rússia, difícil escolher uma só.
Durante o processo de elaboração da mostra “Jornada do Rinoceronte” – que retrata os esforços de preservação dos rinocerontes na África -, você visitou vários países da África, orfanatos de rinocerontes e conversou com especialistas, policias e familiares de caçadores. Como funciona este trabalho de pesquisa do fotógrafo?
Para a fotografia documental isso é primordial. A fotografia documental requer disciplina, responsabilidade e pesquisa. Não basta você chegar no lugar e deixar pra ver tudo na hora. Passei meses debruçado em livros e na internet. Foram milhares de e-mails e ligações telefônicas. Você passa a se tornar um pouco especialista naquilo que faz. É um processo de educação, de cultura e engrandecimento pessoal. Meus projetos foram, de fato, as grandes universidades, os diplomas que tive na vida. Um bem imaterial que você busca, conquista e que nunca lhe é tomado de volta. E costumo dizer que todos ganham com um projeto documental, os retratados, a sociedade em geral, mas o maior beneficiado com esse conhecimento acumulado é o fotógrafo, o autor de tudo isso, o responsável por esta inércia de cultura produzida.
Entender o contexto do ambiente onde a foto está sendo feita é uma boa dica para quem está começando na profissão? Isso altera o resultado final, ou seja, a foto?
Quanto mais informações tivermos para compor nossa fotografia, tenho certeza que isso altera o resultado final. Acumular informações, cultura, dados e impressões pessoais vai tornando sua fotografia mais complexa e mais interessante, creio. Isso pode ser sua matéria prima, mas o que irá salvar é uma boa foto por si. Não basta teorizar demais, se o sublime não está presente. Por mais que o fotógrafo tente muitas coisas, as boas fotos aparecem aos miúdos. A boa foto ocorre, eventualmente, depois de muitos erros e tentativas. É quase um processo de conquista, de merecimento, de alívio, de auto regozijo.
De todos os países que você já visitou em sua carreira, qual foi o mais especial de se fotografar?
Pergunta de difícil resposta. Me ocorrem agora Índia, Cuba, China, Ruanda, México e Etiópia.
Qual foi o momento mais marcante desta trajetória?
Fazer este projeto atualmente dos rinocerontes tem sido especial. Eu cliquei um animal que era um dos últimos seis que existiam, no Quênia, da sub-espécie de rinocerontes brancos do norte e soube em seguida que ele havia falecido. Foi um peso e uma comoção brutal do meio ambiental. Senti muito também. Hoje existem apenas 5 deles.
Uma foto sua bem impressionante é a da lagoa Thilafushi, em Malé, nas Maldivas, coberta de lixo. Queria que você comentasse sobre esse paradoxo em que vive a população, já que as ilhas abrigam resorts e recebem turistas do mundo todo, mas o oceano está prestes a engolir montanhas enormes de lixo.
O país mais baixo do mundo e pouca área continental (incular na verdade), pois são cercados de Oceano, as Maldivas simplesmente não sabem o que fazer com tanto lixo. Eles vivem dilemas em escala muito mais alarmantes do que um país como o Brasil, onde abunda a terra, vive. Eles vivem à beira do abismo o tempo todo. Quando você visita o país, simplesmente pergunta, pra onde vai todo o lixo? E todo o esgoto? Há duas saídas, o oceano e a atmosfera.
Depois de conhecer tantos povos e presenciar tantas situações de desastre ambiental, risco de extinção, poluição, etc, todas provocadas pelo homem, como você define o ser humano e sua relação com o meio ambiente?
Nas minhas redes sociais as pessoas detonam o ser humano quando olham minhas fotos. Acho sim, que somos uma espécie corrupta e insensata, mas ao passo que temos a capacidade de destruir, temos também a capacidade de construir. E devemos olhar o todo para termos uma visão mais complexa do entorno. Com a mesma intensidade que vemos as mortes de rinocerontes hoje, os poucos que existem só se reabilitaram por força da capacidade de proteger e de se aplicar conhecimento para aumentar as populações, como foi feito na África do Sul e na Índia. Lugares que deveriam ter suas populações de rinocerontes dizimadas e hoje possuem as maiores populações do mundo.
Vivendo em países diferentes e tendo contato com tantas culturas e características distintas, de que forma o seu trabalho impacta na sua evolução pessoal?
Total e absolutamente, impacta sim e muito. O fotógrafo é um ser privilegiado, pois ao contrário da literatura e da música, por exemplo, nós temos que estar no local. A fotografia é testemunhal e isso nos obriga a nos movermos. É um enriquecimento em vida, é uma coleção de sentimentos, informações, opiniões e vivências que se convertem em uma imagem bidimensional, dentro de quatro linhas. Ali é o nosso mundo, dentro destas linhas escrevemos o que somos e o que fizemos.
Neste momento você está no Vietnã, certo? Que trabalho foi desenvolver por aí?
Vim pra cá para tentar terminar a história dos rinocerontes, cujo livro será lançado no primeiro trimestre do ano que vem.
Tem algum novo projeto em mente?
Minha cabeça está 100% voltada para os rinocerontes, mas acho que chegou um momento que tenho tanta foto, que talvez eu tenha material para fazer um corte, um livro portfólio, algo que mostre meus diários de viagem para poder contar tantas histórias que ficam guardadas comigo. Estou começando a achar que preciso compartilhar mais.
Sobre o profissional – Érico Hiller
Érico é fotografo documental independente desde 2003. Formado em Comunicação Social e Pós Graduado e Fotografia, tem viajado por todos os continentes na última década em busca de histórias com temática humanitária e ambiental. Sua trajetória resultou em diversos projetos fotográficos que se transformaram em livros e exposições, como: Emergentes (2008), Ameaçados (2011) e Tênue Linha (2013). A Jornada do Rinoceronte é o resultado de um imenso esforço logístico que o fotógrafo empreendeu ao longo de dois anos, fotografando entre Ásia e África, em nove países. Este livro é o fruto de suas anotações de viagens, entrevistas e pesquisas. Para conhecer mais o trabalho do fotógrafo acesse www.ericohiller.com.br.